sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Devaneios - DO TELEFONE


Ele esperou até o início da madrugada o telefonema dela. A noite caminhava sorrateiramente no espaço do tempo que o calor abafado e sufocante parecia suspender. Apenas um toque no telefone preto bastaria para florescer a sua esperança, mas nada aconteceu. Com exceção de alguns poucos latidos de cachorros vadios pela rua, nada mais era ouvido naquela noite. Nem a respiração dele era percebida. Parecia que sua vida suspendera-se da mesma forma que o tempo.

Os segundos no relógio eram acompanhados uns a uns. Perseguidos, mas nunca capturados. Passaram-se milhares deles, e nada do maldito telefone tocar. Era claro para ele que Ela ligaria para se desculpar do ocorrido, pois que as palavras do dia anterior haviam sido ríspidas, mas nada. Absolutamente nada.

Resignado, decidiu deitar-se em sua cama. Pensou em deixar o telefone mudo para sempre a fim de que não mais conseguisse Ela falar com ele. Seu coração inútil não permitiu e ele pôs o seu celular na cabeceira de sua cama, como se, ainda que em sonho, continuasse a esperar pela ligação que não acontecera.

A saudade arranhava-lhe o peito e a vontade de falar corroia-lhe a garganta. Pediu pelo sono, mas ele não veio. Implorou-lhe que viesse como de um súbito a fim de fazer cessar com o sofrimento, mas sua pretensão não foi atendida. Respirou fundo...

Sua vontade era a de ligar, fazer soar as palavras que guardava no peito, ou, quem sabe, se a coragem não permitisse, apenas jogar conversa fora, contar-lhe o seu dia e ouvir atentamente o dia Dela. Não teve esta coragem. Lembrou-se das recomendações de não ligar. Por cautela, num impulso de consciência estúpida, excluiu o número Dela de sua agenda. Voltou a se deitar.

Quantos e quantos pensamentos passaram pela sua mente nos rasos minutos que esperou pelo sono atrasado. Refletiu e condenou aquela relação utópica e imaginativa. Julgou ser mais coerente deixar aquela questão de lado. Pronto! Não ia mais ligar para Ela! Ficou assim decidido. Ele mesmo pôs o seu coração em julgamento na sede se sua massa encefálica, e ele mesmo apresentou as provas da condenação. O coração, coitado, não teve a oportunidade de se defender. Ouviu, assim, inconformado a decisão final de expulsá-la de seu coração.

Era de se esperar a reviravolta do coração inconformado. E ela veio, acreditem, a galope! Nenhuma força seria dada ao julgamento realizado pela consciência! Alegou-se sua incompetência para julgamento da demanda. O coração, enfim, rebelou-se e, num grito seco de revolta, deu asas à imaginação e deu seu próprio veredito.

O amor, assim como sua prima paixão, são suicídios conscientes e permanentes de nossa própria carne. Corroem-nos sempre, de uma forma ou de outra. Não adianta resistir. É mais prudente aceitá-lo, e sofrer assim as conseqüências. Assim sendo, ao final de tudo, ao menos teria a consciência de que viveu aquele sentimento durante todo o tempo em que ele existiu – “Que seja eterno enquanto dure”. Se depois não vingasse, ao menos serviria um consolo: O sofrimento valeu pela inspiração!

A questão do coração e da consciência estava, por fim, decidida, mas ele continuava deitado em sua cama esperando pela ligação que não veio. Sofria, sim, mas sofria resignado, como o soldado que é atingido em combate e ainda assim reúne forças para continuar na batalha.

Por fim dormiu. Não se sabe se sonhou ou não com Ela. Não se sabe se se encontrou com Ela e finalmente lhe disse o que tinha entalado na garganta. Os sonhos estão guardados em um lugar de difícil acesso à consciência, e, convenhamos, é bem melhor assim.

NÃO, maligno leitor! Não darei nomes às personagens desta história. Não direi quem é aquele que sofre, nem aquela que faz sofrer. Afinal, tanto faz! Quantas não são as histórias desta natureza? Não dou nome a eles não por medo ou por mistério, mas somente porque assim desejo que seja. Lembre-se, tratam-se apenas de devaneios...

4 comentários:

  1. auUHAauhUHUHauhUHUAH Sempre com ótimas redações, com muitas palavras cultas, e novas para mim.Gosto mais desta, por ser de um amor, um talvez doloroso, mas amor.

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  2. Nossaaaaa... adorei, espero que não se trate de nós! Seus textos me lembram os livros de Machado de Assis.

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  3. Nossaaaa...depois de muito tempo uma nova história.
    Que romântico...ADOREIIII!!!!!

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  4. Nossa é talento demais para quem ainda não faz parte da Academia Brasileira de Letras.
    Escritores, fiquem atentos, tem gente nova na Arte de escrever.

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